A ânsia de viver tudo e o risco de não sentir nada
O que a vida nômade tem me ensinado sobre o valor do ordinário
Escrevo este texto do aeroporto de Tóquio, enquanto espero o voo para o último destino da minha temporada de seis meses viajando pela Ásia. Passei três meses na Tailândia, fiz uma rápida visita à Malásia, um mês e meio no Vietnã e uma semana no Japão. Agora sigo para a Índia, onde fico por um mês antes de retornar ao Brasil.
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Tem sido uma jornada intensa, e confesso que ainda estou assimilando o fato de ter vivido tudo isso. A ficha está caindo aos poucos. É louco pensar que pude ver com meus próprios olhos lugares que pareciam tão distantes.
Olhei nos olhos das pessoas desses países, observei como vivem, experimentei suas comidas, tentei entender no que acreditam. Me esforcei para me comunicar minimamente no idioma local, seguir seus costumes e enxergar o mundo a partir de suas perspectivas.
E, claro, trabalhei muito nesse período, bem mais do que parece pra quem vê apenas os recortes nas redes. Muita gente ainda acha que nômades digitais vivem em férias eternas, mas a verdade é que a gente trabalha bastante. A diferença é que, nas brechas, tentamos explorar os lugares.
Viver em movimento é uma grande realização e sou grata por essa possibilidade. Mas conciliar essa vida com as responsabilidades é um desafio que pouca gente comenta, especialmente quando, além do trabalho, você tenta manter hábitos saudáveis, estruturar projetos pessoais e estudar — tudo isso com o endereço, a casa, a moeda, a comida e o idioma mudando o tempo todo.
A cada novo lugar, é preciso se adaptar novamente: entender como é a vida ali, onde comprar comida, como se locomover… e enquanto se adapta, já precisa começar a planejar o próximo destino, para onde vai e como. E, claro, os perrengues: hospedagens canceladas em cima da hora, vistos que não saem a tempo, ônibus lotados no dia da viagem.
Mesmo já sabendo das peculiaridades da vida nômade, quando comecei as viagens pela Ásia, eu segui — ingenuamente — tentando dar conta de tudo: rituais de autocuidado, estudos, lançar um curso, uma mentoria…e ainda, claro, desfrutar dos lugares, absorver a cultura, viver as experiências. Até que percebi que estava me cobrando demais.
Com a mente inquieta e o corpo cansado, até o cenário mais deslumbrante pode virar apenas pano de fundo. Me vi acelerada e perdendo a presença - justamente enquanto vivia sonhos que tanto aguardei. Foi aí que soltei o controle.
Aceitar o caos, muitas vezes, é a própria paz. É se render ao que é, abraçar a imprevisibilidade e focar no essencial.
Escolhi fazer isso para não perder toda a beleza dessa experiência única que vou lembrar por toda a minha vida. Quero me lembrar desse tempo de um jeito gostoso, como quem esteve ali, de verdade. Então resolvi dançar com a bagunça e me perguntei: “qual o melhor que eu posso fazer nas circunstâncias que eu tenho agora?”
Escolhi viajar para me expandir, sentir, aprender, apreciar. Não para me exaurir. E acreditar que posso dar conta de tudo, em qualquer cenário, é uma ilusão que só me frustra e me impede de estar inteira nos lugares.
Fazer da estrada a nossa casa é lindo, corajoso, excitante — mas não dá pra esperar que essa “casa” seja estável. Pelo contrário, é preciso aceitar que ela pode ser bem caótica e bagunçada. “Cada escolha uma renúncia, isso é a vida, Renata”, eu disse a mim mesma parafraseando o poeta Chorão. Tudo tem um preço.
Viver o extraordinário o tempo todo também tem um preço. E o que venho refletindo e aprendendo - e aqui entramos no tema central desta newslettter - é que viver o extraordinário o tempo todo pode ser uma grande armadilha.
Recentemente, ouvi criadores de conteúdo de viagem (um inclusive que viaja há bem mais tempo que eu), relatando que após tantas viagens seguidas, uma atrás da outra, a capacidade de apreciar vai se perdendo no caminho.
Isso acontece porque nosso cérebro se acostuma até mesmo com o que é incrível — um fenômeno conhecido como adaptação hedônica, segundo a psicologia positiva.
Então, ao viver sempre em busca de sentir aquele “uau” que cada novo lugar desperta, as expectativas vão ficando altas demais, e isso é quase um convite à frustração, porque esses picos de dopamina não se sustentam. Na ânsia de querer viver tudo, corremos o risco de não sentir nada. Porque o encantamento, cedo ou tarde, passa.
E definitivamente eu não quero perder meu olhar de criança diante do novo, diante do desconhecido, diante da vida. Não quero me acostumar tanto com o extraordinário, a ponto de não notá-lo.
Quanto mais eu vivo, mais concluo que a verdadeira magia da vida está justamente nessas entrelinhas: muitos dias ordinários entre alguns extraordinários. Na verdade, se a gente olhar bem — com olhos atentos e sutis — o extraordinário pulsa vivo dentro do ordinário.
No sol que entra pela janela por volta das 17h, como uma aura que ilumina tudo, anunciando o fim de mais um dia. No carinho inesperado da sua gata, que faz você pausar qualquer tarefa só para desfrutar daquele instante. No café com queijo com sua mãe, em uma conversa trivial, sem pressa. Numa risada com quem a gente ama, no banho quente depois de um dia cansativo, no cheiro de bolo de banana saindo do forno, preenchendo a casa com aconchego. No ato de parar, no meio da semana, e se nutrir com um hobbie só porque aquilo te faz bem.
É ali, nas frestas dos dias comuns, que a vida sussurra poesia.
Inclusive, mesmo nas viagens, nesses três anos de estrada, posso dizer que o que mais me marca geralmente não são os lugares em si, mas as coisas ordinariamente extraordinárias: o acolhimento inesperado de um desconhecido quando você precisa de ajuda, o sorriso de uma senhora que é sua “vizinha” e não fala seu idioma, mas se comunica com os olhos, a amiga estrangeira que você conhece por acaso e acaba numa mesa de bar tendo conversas vulneráveis, chorando, rindo se reconhecendo.
No final de 2024, assisti ao filme Dias Perfeitos, uma coprodução entre Alemanha e Japão. A história gira em torno de um Hirayama, um homem comum em sua rotina simples e previsível como zelador de banheiros públicos em Tóquio.
Mesmo tendo uma vida ordinária, ele encontra beleza e presença nos detalhes mais banais: a luz atravessando a janela, o som das folhas ao vento, as músicas do seu toca fitas no carro. É um filme sobre como a felicidade pode morar justamente naquilo que muitas vezes ignoramos.
Enquanto estive no Japão, na última semana, assisti ao filme mais uma vez com meu namorado. Eis que, em um dos dias caminhando pelas estações de metrô, nos deparamos com um corredor que dava acesso a um restaurante e outros comércios. Nos entreolhamos na hora, reconhecendo o local como um dos cenários em que o filme foi gravado. Claro que aproveitei para fazer um registro:

Pense comigo: a maior parte da vida é feita de dias comuns. Se a gente esperar só os momentos extraordinários para ver beleza na vida, quantos momentos vão passar batido por estarem camuflados na rotina?
Se a gente não treina os olhos para enxergar os pequenos milagres de cada dia, viver momentos grandiosos pode se tornar só uma busca do ego. No caso das viagens, pode virar apenas uma coleção de bandeirinhas na bio do instagram ou mais um destino riscado da lista, sem sequer ter vivido aquele lugar.
O mesmo vale para os objetivos e sonhos que perseguimos. A maior parte é o processo, com as tentativas, os aprendizados, os tropeços.
Se a gente não souber aproveitar a caminhada — encontrando prazer no ato de fazer, celebrando cada pequena evolução e enxergando os erros como degraus — chegar no destino final pode até parecer uma conquista, mas corre o risco de trazer só um grande vazio… além de muito tempo de vida perdido no percurso.
Talvez um dos nossos maiores desafios seja apreciar o que já somos e o que fazemos, enquanto caminhamos em direção ao que almejamos ser e fazer.
Eu sei que é clichê dizer isso, mas muitas vezes a gente deposita a felicidade no “depois”: quando conquistar aquele cargo, comprar a casa dos sonhos, trocar de carro ou fazer aquela viagem incrível. Essas alegrias são reais, sim, mas também são passageiras.

Daniel Gilbert, professor de psicologia na Universidade Harvard, explica que, mesmo quando alcançamos grandes conquistas, com o tempo, tendemos a voltar ao nosso nível habitual de felicidade. O que realmente faz diferença, portanto, é como escolhemos viver a vida.
A Psicologia Positiva, inclusive, fala muito sobre inverter a equação entre sucesso e felicidade. Em vez de esperar que a felicidade venha depois do sucesso, ela deve vir antes, fazendo o que nos traz bem-estar no agora, nos engajando com o que amamos, encontrando sentido no processo e cultivando um olhar mais sutil para os dias. No fim das contas, é isso que muda o jogo.
“Todas as viagens são lindas, mesmo as que fizeres nas ruas do teu bairro. O encanto dependerá do teu estado de alma.” — Ribeiro Couto —
Por aqui, sigo atenta para não perseguir o ideal de uma vida romantizada, onde tudo é extraordinário o tempo todo. Por outro lado, quero sim romantizar, cada vez mais, meu cotidiano pra ver sempre beleza nele, seja do outro lado do mundo, ou no bairro onde cresci. Numa praia paradisíaca na Tailândia, ou regando as plantinhas do quintal. Num templo budista imponente, ou preparando meu café da manhã favorito ouvindo uma música que me dá energia.
Preservar essa conexão com a vida nos pequenos momentos é um antídoto para não se perder e nem se endurecer diante do tempo. Porque, no fim das contas, não são as coisas em si que fazem uma experiência ser incrível, mas o jeito como a gente olha para elas.
Com amor,
Renata Stuart
♡
curadoria da semana
📝 Se você ama escrever ou deseja desbloquear sua escrita e se conectar com outras pessoas alinhadas a essa busca, recomendo muito o Círculo de Escrita da Lais Schulz. Será um encontro online e intimista, no dia 13 de abril, com três horas de troca, presença e muita inspiração.
🎵 Essa playlist é uma boa pedida para você romantizar sua vida, fazendo panquecas pela manhã junto com esse casal carismático, ou até mesmo outra atividade, como trabalhar ou arrumar a casa.
🎥 From é uma série que me deixou vidrada nas três temporadas. Se você gosta de um entretenimento que mistura mistério, terror e ficção científica, recomendo muito!
🧠 Amo todos os vídeos do canal Corvo Seco, mas selecionei este para te ajudar a lidar melhor com seus pensamentos. Espero que goste!
Por hoje é isso! Se você chegou até aqui… obrigada por prestigiar minhas palavras! Até a próxima! 🤎
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Muito Bom, Amiga!
Muito filosófico.
Essa frase me pegou muito: "É ali, nas frestas dos dias comuns, que a vida sussurra poesia". Vai para o meu mural de inspirações, com certeza. Um lembrete constante de desacelerar pra apreciar esses pequenos momentos tão significativos.