O peso de não saber o suficiente me acompanha desde que me entendo por gente. Quando criança, como toda criança curiosa, eu vivia fazendo perguntas o tempo todo. Tentava entender tudo ao meu redor. Assim que aprendi a ler, lia todas as placas nas ruas em voz alta e perguntava aos meus pais o que cada palavra significava.
Eu precisava saber, entender, decifrar esse mundo em que me meti. Sentia que havia algo mágico em perguntar e descobrir coisas novas.
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Com o passar dos anos, o “não saber” passou a me acompanhar de uma forma diferente.
Quando mudei da escola pública para a particular, no Ensino Fundamental, precisei fazer uma prova de nivelamento e, para minha alegria, não perdi em nada para o resto da turma. Eu tinha boas notas. Não era incrível, mas era “mediana” — como fez questão de destacar, em tom de ironia, a inspetora da escola ao me chamar a atenção por causa de alguma bobagem na classe, na frente de todos. Ela disse, inclusive, que estar na média era “medíocre”.
ps: confesso que nem guardava mágoa disso, mas recentemente uma amiga fez questão de me lembrar do episódio. rs
Mas foi na adolescência, ao chegar no Ensino Médio, que a coisa começou a mudar. Percebi que o que eu sabia não era suficiente para me render boas notas nas matérias que exigiam fórmulas, lógica e cálculos. Eu sofria para aprender matemática e física e tinha certa dificuldade em absorver dados e fatos históricos apenas copiando as informações no caderno ou na base da “decoreba”.
Eu era muito boa em português e redação, mas isso parecia insuficiente para passar em uma universidade pública. E como toda a nossa vida escolar — infelizmente — gira em torno de gabaritar uma prova, fui internalizando a ideia de que o que eu sabia não bastava. Que meu conhecimento não tinha tanto valor. E que, se eu não soubesse algo, de alguma forma, isso me tornava menor.
Eis o instante em que aquela garotinha entusiasmada, que guardava em si a leveza da curiosidade por tudo, passou a carregar o peso de não pertencer, de não ser aceita ou validada. O “não saber” deixou de ser magia e virou fardo.
Minha irmã, por outro lado, sempre foi a “CDF” da sua turma (ainda se usa esse termo ou é muito cringe?) e, inevitavelmente, eu acabava me comparando com ela, ainda que minha mãe tentasse amenizar, exaltando meu lado criativo. A crença, então, seguia sendo reforçada: não sei o suficiente.
Por muito tempo, em rodas de amigos, me sentia péssima quando não sabia algo que os outros sabiam— como se eu tivesse que saber de tudo, oh céus - e, muitas vezes, até fingia que sabia. Como consequência? Acabava sabendo menos ainda. Afinal, admitir que não sabemos algo é a porta de entrada para que algo novo seja aprendido.
O tempo foi passando e fui me desapegando dessa “nóia”. Fui entendendo que boa parte das coisas que eu tinha dificuldade de aprender na escola, na verdade, não determinam o sucesso de ninguém (ainda bem!) e nem me fariam falta alguma na vida prática. Com exceção da matemática básica e cálculos de porcentagem (isso, sim, eu aprendi bem!), nunca mais precisei de fórmulas de Bhaskara, trigonometria ou regra de três composta.
No que diz respeito à história (e até a geografia) dos lugares, passei a absorver muito mais aprendizados na vida adulta, principalmente desde que comecei a viver viajando. Percebi que minha dificuldade vinha da falta de uma narrativa que amarrasse as informações, sabe? Hoje, ao conhecer e vivenciar lugares pessoalmente e conversar com moradores locais, acabo internalizando as coisas de maneira mais natural.
Agora já consigo dizer “não sei” sem me sentir a pior pessoa do mundo por isso, sem acreditar que isso tira o meu valor. Descobri que existem diferentes tipos de inteligência e, enquanto algumas pessoas têm facilidade com números e lógica, outras se destacam na comunicação, inteligência emocional e criatividade, por exemplo. E essa é a beleza da diversidade: cada um contribui de um jeito único.
Mas ninguém nos conta isso na época da escola. É lamentável que nosso sistema educacional, ao invés de potencializar o que cada indivíduo tem de melhor a entregar ao mundo, tenta nos colocar em caixas, como se fôssemos todos iguais.
Enfim, o fato é que, embora eu achasse que estava me libertando desse peso antigo, essa voz que insiste em dizer que não sei o suficiente voltou com força nos últimos tempos. E eu quero te contar como venho lidando com ela — do mesmo jeito que lido com qualquer outra voz da autossabotagem!
Ter a ousadia de gravar um curso e lançar uma mentoria de autoconhecimento no início desse ano foi a deixa para que a velha narrativa do “você não sabe o suficiente” voltasse com força. E, confesso, às vezes ela é bem cruel.
Eu a chamo de Sabrina Sabotadora. Ela é insistente e volta e meia me questiona:
“Quem é você para ensinar algo, se nem tem as certificações X, Y e X?”
“Como você pode ajudar alguém se também tem questões para resolver?”
Em seguida, ela começa a despejar diversos rótulos e julgamentos que colecionei ao longo da vida.
Tem dias em que consigo ignorá-la e ela logo sai pela porta dos fundos da minha mente sem fazer alarde. Mas, se estou num dia mais vulnerável, esquece: ela toma conta.
Às vezes, ela me sequestra por algumas horas. Às vezes, por dias inteiros. Nesses momentos, começo a acreditar que preciso estudar mais, me preparar melhor, aprender só mais um pouco antes de dar o próximo passo. Quase me convenço de que é melhor desistir, pois não mereço ocupar esse lugar “pretensioso” de guiar alguém para dentro de si.
Eu disse q u a s e. Porque, quando isso acontece, logo corro para meus rituais. Para minhas práticas de yoga, para minha meditação, para as páginas matinais que me ajudam a organizar os pensamentos. E quase sempre, é a escrita — minha companheira mais fiel — que me resgata.
Escrevo e coloco tudo pra fora, sem filtro. Vou despejando todo o entulho mental que não é meu, varrendo cada sujeira para entender qual crença ou medo deu origem àquela voz. Procuro saber qual foi o gatilho que despertou tudo isso (se foi algo que alguém disse, se me comparei com alguém, etc) tomo nota e faço uma lista de mandamentos ou mantras que me ajudarão a seguir em frente.
Não sou boa o suficiente
“O que eu sei hoje é suficiente para dar o próximo passo.”
Hoje, ao ouvir essa voz, consigo reconhecer de onde ela vem: da adolescente ferida que não tinha as melhores notas e se sentia menos por isso. Da jovem que não passou no vestibular da Universidade Federal e se sentiu burra. Da universitária que se dedicou e foi destaque acadêmico da sua turma de Jornalismo só para se provar para os outros — e para si mesma — que era capaz de mandar bem quando jogava no seu próprio terreno.
Ah, o autoconhecimento: como é libertador.
Aprendi que se deixarmos que esses pensamentos e sentimentos nos dominem, fica realmente impossível seguir. Mas se conseguirmos observá-los, de um lugar de desapego, tirando o bastão deles, é possível ouvir, lá no fundo, uma outra voz: a nossa sabedoria interna.
Essa voz é firme, direta, assertiva. Ela não murmura nem lamenta. Ela diz algo como: “Apenas vá em frente.”
Dá medo seguir essa voz, porque ela nos aponta para um terreno desconhecido e, cá pra nós, nada como um canto quentinho, familiar e confortável pra nossa mente se sentir segura, né?
Mas o meu maior escudo para não desistir tem sido aprender a escolher quais pensamentos e sentimentos vou nutrir. E aceitar que esses altos e baixos acontecem, aprendendo a navegar por eles, tem sido essencial para seguir em frente.
Então eu sigo!

Mas voltando ao papo de aprender…
Algo que também considero importante nesse processo de lidar com a voz da impostora é entender o que posso aprender com ela. Porque sim, ela quer nos proteger de algo e dá pra tirar um aprendizado disso.
Por trás desse sentimento de não saber o suficiente, também existe uma sede de expansão, de saber mais, de me desenvolver mais.
Então, quando consigo escutar a voz da adulta, a voz da minha sabedoria interior, percebo que não há espaço para vitimismo. Essa voz apenas foca na solução:
“Ok, existe uma vontade de saber mais… então o que pode ser feito? Que tal montar um plano de estudos?”
Dito isso, a responsabilidade de aprender mais está inteiramente nas minhas mãos.
Afinal, se quero contribuir de alguma forma com a transformação do outro — por maior que seja o peso dessa promessa — preciso, antes de tudo, seguir transformando continuamente a mim mesma.
Mas essa sede de desenvolvimento, se não for bem dosada, pode facilmente me prender em um ciclo vicioso. Acumular cursos e mais cursos, acreditando que sempre falta algo para eu finalmente estar pronta, só reforça a armadilha da autossabotagem.
E conhecimento a gente acumula, mas a sabedoria só acontece na prática.
Por isso, o que tem funcionado para mim é buscar esse equilíbrio: seguir aprendendo mais e mais, enquanto vou dando os primeiros passos com o que já sei.
Até porque, no fim das contas, muitas vezes, o que parece pouco para mim, pode ser muito para outra pessoa.
E acredito fielmente que essa coisa de guiar alguém a partir dos nossos aprendizados — especialmente seguindo um caminho mais real e humano, como venho tentando fazer — passa justamente por essa sinceridade: “Olha, te ensino até onde eu fui, isso é o que eu aprendi até então, mas ainda estou aprendendo mais um monte de coisa.”
Inclusive, vi o post abaixo no instagram do Thauã Morlin, que fala sobre a importância de reduzir o consumo de conteúdo e começar a criar, e achei que tem tudo a ver com esse texto:
Por fim, Deus me livre de ter todas as certezas.
Aprender é maravilhoso. Mas como uma caminhante da vida, uma buscadora incansável de si e uma apaixonada pelo mistério da existência, Deus me livre de ter todas as certezas. Deus me livre de sentir que já sei o suficiente sobre qualquer coisa. Deus me livre de aprender tanto sobre algo a ponto de me tornar arrogante ou de me fechar para novas descobertas.
Tem uma frase do David Shidoll que li certa vez num texto do Alex Bretas, e nunca me esqueci:
“O momento em que achamos que sabemos algo é o momento em que perdemos a conexão.”
Quando acreditamos que já entendemos completamente uma pessoa, um tema de estudo, uma experiência ou até quem somos, perdemos a chance de enxergar além do que já está cristalizado na nossa mente. É como se, no momento em que decidimos que “sabemos tudo” sobre algo ou alguém, criássemos uma barreira que impede a vida de se revelar de novas formas.
A conexão verdadeira exige presença, atenção e disposição para ver tudo — e todos — como algo em constante transformação. E se tem algo que não quero perder é essa curiosidade que me mantém aberta ao que ainda não sei.
Tudo o que ainda não descobri - sobre o mundo, sobre a vida, sobre mim - é o que alimenta meu tesão pela vida e minha vontade de seguir caminhando.
🎒Da bagagem de memórias
Esse papo todo me lembrou de quando morei por um mês, em setembro de 2022, na casa de uma atriz colombiana, em Santa Marta, que me inspirou muito.
Nahanna é dessas pessoas que respiram criatividade. Além de colecionar diversos trabalhos como atriz, ela escreve, pinta, toca violão e, mesmo sem ter uma voz considerada “ideal” por alguns críticos, estava sempre soltando a voz pelos cantos da casa e até mesmo fazendo apresentações pontuais em um Café de uma amiga.
Me lembro de vê-la na varanda se arriscando em canções ousadas de Lady Gaga — ainda que desafinasse em alguns momentos. Ela não se importava com o que os vizinhos poderiam pensar. Não estava preocupada em agradar ou alcançar uma nota perfeita; ela apenas se permitia explorar sua própria voz, levá-la ao limite, testar o que era possível.
Um dia, quando elogiei sua habilidade de transitar por todos esses universos artísticos, ela me disse uma frase que nunca esqueci:
“Podemos fazer qualquer coisa, se estivermos dispostos a aprender a aprender. E aprender a aprender passa por se permitir ser ruim em algo primeiro.”
Desde então, levo isso comigo: quero aprender a aprender. Aceitar que não sei e me permitir testar, experimentar, errar. E, com persistência e aquela teimosia que não me deixa desistir fácil, melhorar.
Não como quem busca a perfeição, mas para me orgulhar do caminho percorrido. Porque, no fim das contas, o que a gente mais busca não é o resultado final em si — é a confiança interna que nasce no processo.
E, mesmo assim, vai entender… A gente vive querendo fugir dos processos, tentando pular etapas, quando, na verdade, são eles que guardam todo o tesouro. :-)
O que venho buscando aprender?
(quem sabe não te inspira também!)
1. 🧘 Fazer a postura invertida na yoga — Desde que comecei a praticar yoga com regularidade, há um ano, tenho tentado aprender a postura invertida.(essa aqui óh) Não apenas pela estética (claro que acho linda a postura e não vou negar!), mas, acima de tudo, pelo desafio que ela representa para mim, algo que exige constância, presença e uma entrega que só se constrói no processo.
Tive grandes avanços no ano passado, mas faz tempo que não a pratico — fiquei mais de um mês sem treinar e voltei agora em março— e essa postura exige um espaço com uma parede livre para me apoiar, o que nem sempre é possível.
Mas, agora, estou me comprometendo aqui, nesta newsletter, como forma de me motivar e compartilhar a evolução com vocês. :-)

2. 🎨 Aprender a desenhar/pintar — Tenho me arriscado em desenhos e pinturas também! Não porque eu tenha a meta de me tornar uma artista, mas porque quero me comprometer mais com meus hobbies, reduzir o uso das redes sociais e explorar minha criatividade de outras formas.
Tive a sorte (ou o apoio do universo, haha) de me hospedar pertinho de um workshop de arte aqui em Nha Trang, no Vietnã! Então tenho brincado de “reproduzir” desenhos, sem a pressão de fazer igualzinho ou de ser boa nisso.
É curioso observar minha mente, que às vezes tenta entrar no modo “perfeccionista”, querendo acertar cada traço. E aí, assim que percebo, corto esse padrão na hora: “Relaxa e se divirta, garota!”
3. 🪞 Aprender a não me comparar — Tenho tentado olhar menos para o lado (para as conquistas do vizinho) e mais para trás, reconhecendo meus próprios avanços, meus pequenos passos e tudo o que já caminhei até aqui.
Se você se compara demais com alguém — ou com algumas pessoas específicas — meu conselho é: se afaste do conteúdo dessa pessoa, ao menos por um tempo. De verdade! Isso pode te ajudar a focar mais nos seus próprios pontos fortes e no que você já conquistou.
A comparação excessiva rouba nosso potencial e sufoca nossa expressão mais autêntica.
Mas lembra de uma coisa: o que te toca no outro, de alguma forma, também existe em você. Gosto de pensar que o brilho do outro é como um farol que ilumina possibilidades que também estão ao meu alcance. E todos nós guardamos tesouros únicos dentro de nós, mas precisamos estar presentes - sem dar poder às vozes barulhentas - para acessar e sentir. 💎
♡
curadoria da semana
🎨 Se você é mulher e deseja entrar em contato com sua essência artística, o Clube CriArte, da Bruna Cosenza, pode ser exatamente o que você precisa para dar o primeiro passo. A Bruna criou esse clube com muito amor, para quem deseja exercitar a criatividade por meio das colagens e do autoconhecimento. Ah, e eu estarei por lá como uma das convidadas e estou bem animada! 🥹
📚 O livro “A Grande Magia” caiu nas minhas mãos no momento exato, e me deu um boost de confiança para seguir criando, apesar de todos os medos. Sério, virou minha “bíblia da arte!”, rs.
🎥 Esse TEDx da Mônica Martelli está a coisa mais linda e potente: “Suba no seu caixote e mostre quem você é.”
Com amor,
Renata Stuart
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Amei, principalmente o trecho do Deus me livre achar que sabemos de tudo.
Isso é pra poucos. Pra os não arrogantes, soberbos.
Pra gente como a gente, pra gente boa feito você, Rê! ❤️
Me identifiquei com o ser mediano de tempos atrás. Talvez seja assim até hoje, mas sempre em busca da minha melhor versão, apesar de todas as minhas dificuldades.
Vamos em frente! :)
Amei, Re! Me identifiquei muito! Eu já fiquei MUITO presa nessa noia de querer mostrar que sei tudo, mas hoje também vejo de forma diferente, e se não entendo pergunto. Que bom que a gente não sabe de tudo e continua curioso o suficiente para continuar explorando e aprendendo! 🫶